Boston Marathon Bank of America 2024


Desde 2019, ano que iniciei o desafio das Six World Marathon Majors, o planeamento de outras viagens tem ficado mais difícil. A preparação de uma maratona, dependendo da condição física, requer entre 3 e 5 meses de treino consistente, condicionando a disponibilidade para outras viagens. Assim, até Abril de 2024, o único destino em mente foi Boston onde decorre a verdadeira Marathon, marcada na memória coletiva pelo atentado de 2013 mas também por ser a mais antiga das maratonas, atrair participantes desde 1897.

À chegada, Boston recebia-nos com frio e chuva. O nosso anfitrião e compatriota, Hélder Mendes esperava-nos no aeroporto de onde seguimos para o seu agradável e tranquilo AirBnB em Milford, o local perfeito para descansar e preparar para o dia da prova. Milford é uma pequena cidade que fica apenas a 11 km da partida, em Hopkinton. Curioso ver como vivem os americanos nestas vastas áreas, onde não se encontram edifícios de apartamentos, somente casas térreas familiares, com arquitetura muito idêntica, envoltas em florestas e jardins próprios. Um ambiente deveras tranquilo como pudemos vivenciar.


Além de excelente cozinheiro, algo que viríamos a experimentar após a maratona, o Hélder Mendes disponibilizou a sua cozinha para confeccionarmos a nossa alimentação evitando fazer refeições em restaurantes e arriscar problemas intestinais. Assim, com algum esforço para resistir a tentações locais, todas as refeições foram à moda portuguesa. O Ricardo Carvalho, meu amigo e companheiro de prova foi o chef de serviço. Obrigado!


Sábado amanheceu frio, pouco nublado e com alguns raios de sol. Bem cedo juntamo-nos ao Hopkinton Running Club, um grupo de amigos do Hélder Mendes, para um shakeout run muito agradável e um primeiro contacto com o clima e o terreno. Durante o curto treino torci o pé esquerdo e sem grande dor continuei até ao final do trajeto.
 

Como não se consegue participar nestas provas sem recolher presencialmente o dorsal, lá fomos à feira fazer o check-in e gastar uns dólares no típico blusão Adidas alusivo a Boston, uma das marcas patrocinadoras da prova. Por esta altura o tornozelo estava inchar e começava a caminhar com dores. Ao almoço o pé latejava. Tivemos de recorrer a um táxi para nos levar até ao comboio que faria a ligação ao carro do Hélder Mendes e finalmente regressar a casa. A tarde passou lentamente, em sacrifício físico e moral pois apoderava-se o receio de não conseguir alinhar na partida. Meses de preparação e privação em risco por um simples passo mal dado. O dia acabou com sessões de gelo e gel anti-inflamatório. 


Domingo amanheceu soalheiro e tranquilo e previa-se um aumento das temperaturas para o dia da prova. O pé estava a reagir bem, a manhã foi passada com mais descanso e o mesmo tratamento. De tarde fomos tomar café ao Clube Português de Milford, MA, onde portugueses e brasileiros se encontram para beber umas minis ou uns cimbalinos. Não fossem os bonés americanos que usam e os diferencias, diria que estávamos num qualquer café regional em Portugal.


Sem grande dor ao caminhar e mais animado com a possibilidade de alinhar à partida, ficava a incerteza do tornozelo se aguentar 42 km a correr. O resto da tarde foi aproveitado para mais descanso, mais gelo e mais gel anti-inflamatório. O quarto tinha a tranquilidade perfeita para relaxar e começar a preparar psicologicamente para os desafios do dia seguinte.

A manhã de segunda-feira apresentava-se meio nublada e pouco fria. O Hélder Mendes deixou-nos no ponto onde os autocarros transportam os corredores até ao recinto da partida. Após um bom aquecimento e uns trotes, o pé reagiu muito bem. Estava ansioso pela partida, sentia-me surpreendentemente bem, sem qualquer das habituais lesões que todos normalmente se queixam. Esta prova, dada a altimetria do percurso, as alterações atmosféricas ou as condições físicas iria ser uma autêntica aposta tripla.


O local de partida é muito icónico. Uma simples faixa amarela pintada na estrada que liga Hoptinkon a Boston, marca o início de um grande desafio que indubitavelmente deixará também marcas na vida de cada um dos participantes. São milhares os atletas que ano após ano tentam a sorte mas só alguns conseguem, por mérito, participar. Mas é cada vez mais difícil obter o dorsal que permite alinhar na faixa amarela. Dado o crescente número de inscrições, a organização baixa os tempos de qualificação deixando de fora um maior numero de atletas que não reúnem os mínimos estipulados.

Apesar de saber que a prova era matreira, fui tentando manter um ritmo confortável, sem precipitações, as descidas davam uma ilusão errada dos ritmos e tudo correu bem até ao km 25. Daí para a frente a energia consumiu-se de forma rápida, o corpo teimava em resistir ao esforço mas o depósito estava vazio, as subidas obrigavam a parar, respirar e retomar. Não estava sozinho, ao longo do percurso vi muitos em sofrimento, o bom tempo que tanto ansiávamos acabou por se tornar indesejado. Foi um sofrimento até cruzar a linha de chegada, os últimos 17 km marcaram para sempre a maratona dos eleitos.


Era tempo de apanhar o bus da organização e regressar a Hopkinton enquanto assimilava um misto de emoções e sentimentos, até finalmente chegar a Milford para descansar e comer uma bela cachupa preparada pelo Hélder Mendes à moda de Cabo Verde,  a sua terra natal. Obrigado!


Dia seguinte regressamos de comboio a Boston para conhecer um pouco a cidade até à hora do voo para Lisboa. Ainda fizemos uns bons quilômetros, incluindo o Freedom Trail, um percurso de 4 km pelos bairros históricos da cidade, com 16 paragens históricas relacionadas com a Revolução Americana.


Nas redes sociais começavam aparecer as noticias da maratona e dos estragos provocados pelo calor. 
Em conversas do nosso grupo Whatsapp surgiam noticias de colegas que também haviam passado mal, até quem tivesse recorrido ao posto médico à chegada. 
Já sabíamos que o tempo muda bastante por aquelas bandas, nada fazer, somente gerir expectativas e aguentar o impacto. Vem nos à memória relatos de colegas que em edições anteriores enfrentaram chuva e frio durante toda a prova. 

Uma maratona sabemos como começa, mas nunca como acaba daí esta ser de aposta tripla.



Não obstante estas circunstancias algo mais se atravessou no meu caminho e que não consegui decifrar. Enfim, regresso com o peso da medalha ao pescoço mas sem peso na consciência, dei tudo o que tinha para dar a esta 4ª Major Marathon em Boston.



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